Forma Primeva, Múltiplos Tempos

FEMA Gallery – Cascais, 2024
Por Daniel Mullen
Texto: Cristiana Tejo

A forma primeva do mundo refere-se ao estado inicial ou primordial da Terra, antes de qualquer desenvolvimento significativo, podendo ser entendida como um estado caótico e incipiente, seja em termos mitológicos de um caos primordial ou em termos científicos como um planeta jovem e dinâmico, ainda em processo de formação. A forma primeva de Daniel Mullen é o retângulo, uma figura geométrica básica crucial para a teoria geométrica e, por sua vez, para a arte abstrata. Porém para este artista ela é uma forma fundante de seu trabalho e tem sido explorada de diversas maneiras em suas pinturas e, mais recentemente, em esculturas. As obras já evocavam volumetria e tridimensionalidade, mas Daniel sentiu necessidade em expandir sua investigação espacial para a cerâmica e a madeira. Nesta pesquisa, ele acabou deparando-se com a densidade, a temporalidade e a complexidade do material, muito diferentes das características de suas pinturas repletas de translucidez, agilidade e simplicidade. Na experimentação com o tridimensional as questões com a luz e a sombra e a opacidade e a transparência ganharam novas nuances.

A operação estética engendrada por Daniel Mullen com sua forma primeva reside principalmente na repetição e na recombinação. Nesta nova safra de trabalhos, o conceito de tempo também é ativado não apenas pela diferença no tempo gasto na feitura das pinturas e das esculturas, mas nas temporalidades evocadas pelas formas: pirâmides astecas, construções futuristas e linguagem digital. As recombinações e torções dos retângulos ativam em nosso inconsciente estes múltiplos tempos associados a momentos históricos. Não podemos nos esquecer que um dia o mundo digital será passado como também já são as pirâmides e o que chamávamos de futuro até o final do Século XX. Em sua poética, portanto, Daniel ativa o caráter atemporal da geometria e as possibilidades da abstração no momento atual.

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